chumbo

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As coisas mais importantes do mundo

A construção de séculos requer qualificações profissionais.

Entre inúmeras variações possíveis, aqui se apresentam as três principais categorias de tal ofício. Por serem paralelas, apesar da afeição histórica que as une, delas se diz serem irreconciliáveis.


Os arqueólogos são dignos estudiosos do tempo. Preservam a suave arrogância de um ritmo comum, transportam regras adultas e imutáveis. Os inimigos dos arqueólogos são os saqueadores, para quem o tempo equivale a dinheiro. A arqueologia resgata os dias da descrença.

Aos arqueólogos pertencem as cidades antigas, a calma, a vergonha, o medo, os lugares sãos e salvos, a classificação das coisas, a fé, a origem dos nomes, a música, a educação das crianças.

Os mutantes são a voz da evolução. Arriscam o movimento e a amnésia. São muitos. Os inimigos dos mutantes são os biógrafos e os cobradores de impostos. Em nome da espécie, os mutantes alteram sequências e ensaiam contágios.

Aos mutantes pertencem as cidades novas, os atalhos, os números ímpares, as doenças, as curas, a linguagem, a tradução, o pó, a guerra, a esquizofrenia, a amizade entre os povos, a diplomacia.

Os ventríloquos são religiosos intérpretes do que não vive e do que está para vir. Capturam atenções e prometem respostas. Os inimigos dos ventríloquos são as suas próprias vozes. No seu estômago cheio vivem os sacrifícios, os tremores, e os órgãos dos animais.

Aos ventríloquos pertencem a surpresa, a confusão, a comunicação, o engano, o crime, os palcos, a irresponsabilidade, os jogos, os esconderijos, a noite e seus aliados, a polícia, a velocidade.


Apenas quem se lembra do século passado deve lembrá-lo. Só quem ama o presente pode construí-lo.

As coisas mais importantes do mundo permanecem duplas, secretas, urgentes.